A Alice verdadeira
O ambiente onde Alice Pleasance Liddell passou a infância pertence a uma época cujas regras e costumes estão tão longe da nossa realidade que a vida dessa menina parece, por si só, matéria de ficção daquelas que são evocadas em sonhos. No período vitoriano, as filhas de famílias inglesas promenientes eram educadas em casa e acompanhadas por criadas e tutores que se responsabilizavam, no lugar dos pais, por sua rotina e aprendizagem. Pode parecer estranho para nós, mas era muito normal que o relacionamento de pupilas e seu tutores fossem muito próxima.
Charles Digson era o tutor de Alice e tinha a menina como única pupila a quem ensinava e entretinha o dia inteiro, mesmo havendo mais duas meninas menores na casa.
O famoso passeio
Uma certa tarde, para evitar o fastio de estudos constantes, Mr. Digson programou um piquenique com direito a passeio de barco.
Durante este dia memorável, veio-lhe a ideia de escrever uma história baseada nas aventuras vividas, tendo Alice como personagem principal e leitora ideal. Mr. Dodgson, nosso Lewis Carrol, dedicou a publicação de seu livro Alice no País das Maravilhas (1865) a sua pupila e desenhou de próprio punho as ilustrações que o acompanham.
Com o sucesso e a valorização do livro por diferentes gerações, milhões de exemplares já foram vendidos até hoje em cerca de 125 línguas.
O senão da obra original
De ínicio, compreendidas as condições de produção da famosa obra de Lewis Caroll, é preciso não esquecer, portanto, de que ela foi escrita primeiramente para Alice Lyddell, e o universo descrito está relacionado aos jogos e brincadeiras que existiam entre tutor e aluna, dos quais restaram poucas referências, a não ser algumas cartas do autor e o próprio original. A maior riqueza desse livro, entretanto, não está só na paisagem interiorana da Inglaterra do século XIX ou no fato de que seu título inicial era muito mais misterioso e intrigante. Na verdade, o uso e o emprego magistral de trocadilhos e rimas que resultam em uma linguagem lúdica, poética, sonora e musical é o que tornam a obra digna de ser lida. O senão está na perda dessa qualidade, muitas vezes, quando a obra é traduzida para outras línguas. E as adaptações para o Cinema e a Literatura Infantil que chegaram e chegam às mãos de leitores brasileiros através do tempo são, na verdade, versões mais pobres da história devido aos acréscimos e os decréscimos provocados pela transição obra/ releitura da obra: certas mutilações e reestruturações que dão origem a um novo discurso que pouco se assemelha ao original em Inglês.
Por isso e por tudo dito até agora, e mesmo que resenhas pululem pela Internet dizendo que essa é uma leitura ótima e acessível a crianças, eu discordo. A linguagem e as referências usadas no livro são reflexos da cultura e costumes da Inglaterra Vitoriana do século XIX, e essas diferenças podem dificultar o entendimento do texto e desestimular o interesse. Por conseguinte, a história é longa e também por isso pode-se gerar a falsa impressão de que a história é aborrecida.
Para que isso não aconteça, os pontos fortes do enredo precisam ser reforçados para causar o impacto devido em nossos leitores mirins, tão acostumados às peripécias dos desenhos animados atuais. Para pequenos leitores iniciantes, portanto, a intermediação da leitura por pais, mães, avós, padrinhos, professores, tios, é ponto crucial para o encantamento do leitor pelo que lê. E livros com ilustrações atraentes e coloridas são mais indicados nessa fase.
A história de Alice no país das maravilhas não tem função moralista e o norte que conduz a visão da personagem principal durante o desenrolar da história é a viagem em si. E o reconhecimento da sensação de assombro frente a uma existência impossível de se controlar como é a vida real, atrai leitores jovens e adultos para esse universo maravilhoso, há mais de um século, tornando-os grandes fãs dessa obra indispensável às nossas prateleiras e mentes.
Vale a pena ler Alice no país das maravilhas?
Sim! Leitores mais experientes conseguirão superar as barreiras da língua e do tempo, e enriquecer seu repertório com a degustação de uma leitura crucial para se compreender também e melhor referências dessa obra na Cultura Pop, no comportamento e entretenimento das gerações, em áreas como Artes Plásticas, Literatura, Publicidade, Música, Moda e os meios de comunicação de massa.